O advogado João Paulo Marques, da Marques Barradas Advogados, conversou com o Diário de Notícias da Madeira relativamente à entrada em vigor do novo regime jurídico das sociedades desportivas e o impacto do novo enquadramento legal na entrada de novos investidores privados nessas sociedades, nomeadamente na SAD do Marítimo e do Nacional.

Leia abaixo a entrevista completa:

1 – Na sua opinião, esta foi a altura certa para avançar com a revisão do novo regime jurídico das sociedades desportivas?

Julgo que sim. Em primeiro lugar, é importante lembrar que o antigo regime datava de 2013 e, embora tivesse sido alterado em 2017, era um quadro legal que estava totalmente desfasado da nossa realidade desportiva. Por outro lado, de acordo com o Governo, em Portugal cerca de 30% das sociedades desportivas estiveram envolvidas em processos de insolvência ou de extinção. Portanto, era essencial um regime jurídico que respondesse à crescente litigiosidade entre clubes e sociedades, e ao mesmo tempo que tornasse o sector atrativo para a captação de investimento privado. Julgo que as alterações introduzidas, ainda que com lacunas, vão nesse sentido.

2 – Quais são as grandes alterações presentes no novo regime jurídico das sociedades desportivas?

Diria que podemos dividir as alterações em três grupos. O primeiro diz respeito ao reequilíbrio da relação entre clubes fundadores e sociedades desportivas. O segundo é relativo à organização societária, com a possibilidade de criação de sociedades por quotas. No passado, os clubes podiam optar entre as sociedades unipessoais, em que o clube era o único sócio, e as sociedades anónimas, com grande complexidade estrutural. A criação de uma terceira via será uma ferramenta interessante para os clubes de pequena e média dimensão em busca de investimento privado. Por fim, o terceiro grupo engloba alterações relativas à transparência e aos conflitos de interesse.

3 – O Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) passa a ser uma entidade fiscalizadora. É o acertado tendo em conta a realidade portuguesa?

Na minha opinião, a escolha do IPDJ é um erro. O Instituto não tem apetência para uma fiscalização permanente e especializada do mercado das sociedades desportivas. Aliás essa nem foi a primeira opção do legislador, já que na versão original do diploma a fiscalização ficaria a cargo de uma plataforma de tratamento da manipulação de competições desportivas. Neste momento, o IPDJ não tem o know-how, os recursos humanos, nem sequer o orçamento para esta missão. Das duas uma, ou haverá um reforço da estrutura do IPDJ ou a fiscalização não passará de uma boa intenção sem resultados práticos.

4 – As relações entre clube fundador e SAD nem sempre têm sido as melhores. O novo regime torna mais equilibrada essa relação?

Julgo que essa relação foi o grande motivo para esta alteração da lei. Não são meras divergências entre clubes fundadores e sociedades, mas verdadeiras ruturas que precipitaram, em alguns casos, o desaparecimento de vários clubes portugueses. Talvez o caso mais conhecido seja o do Belenenses, mas podemos recordar muitos outros como o Beira Mar ou o Aves. Com o novo regime há um claro reforço da posição do clube perante a sociedade desportiva. Desde a penalização pela violação dos acordos entre clubes e sociedades, a clarificação de que o clube é o herdeiro desportivo da sociedade em caso de dissolução, até à introdução de um observador nomeado pelos sócios do clube com assento nas reuniões da sociedade, mas sem voto.

5 – A fiscalização, nos diversos domínios, passa a ser mais exigente?

Mais do que a fiscalização, julgo que há um controlo muito mais apertado de quem pode investir ou administrar uma sociedade desportiva. Esse controlo é feito não só ao nível da idoneidade dos accionistas, mas também quanto à capacidade económica dos investidores e à origem do investimento. A par deste controlo prévio, o legislador introduziu também um regime reforçado de incompatibilidades. A título de exemplo, deixa de ser possível ter ligações societárias a empresas de apostas desportivas ou de intermediação de jogadores e, simultaneamente, gerir uma sociedade desportiva.

6 – Uma das questões que muito se discute quanto se fala das SAD é em relação à situação tributária e contributiva. O que muda a esse nível, nomeadamente ao nível da fiscalização?

Ao contrário do que se possa pensar, a situação tributária e contributiva das sociedades desportivas já é alvo de uma fiscalização muito apertada pela Liga, não só durante o processo de licenciamento competitivo, mas também pela verificação trimestral do pagamento de salários. O que deixa de acontecer é a hipótese do clube não aceder a apoios públicos, porque a sociedade não tinha a sua situação tributária regularizada. Com esta revisão da lei, essa injustiça termina.

7 – Nos últimos meses tem sido avançada a possibilidade de investimento nas SAD de Nacional e Marítimo. Como analisa essa situação?

É um caminho inevitável, se Marítimo e Nacional quiserem continuar a ter relevância desportiva. Sem investimento privado, a Madeira vai desaparecer do futebol profissional. Basta olhar para o atual panorama do futebol profissional em Portugal. As sociedades desportivas sem investidores privados são uma minoria. Perante a redução do investimento público e o aparecimento de novos projetos desportivos com investimento estrangeiro, Nacional e Marítimo estão obrigados a procurar novas fontes de receita, nomeadamente abrindo o seu capital social a novos parceiros. Por isso, não creio que se deva diabolizar o investimento privado no futebol. É preciso é torná-lo credível, transparente e sustentável.

8 – Que cuidados devem ter os dois clubes da Madeira no futebol profissional para evitarem os maus exemplos que temos vistos noutras situações?

Sem abordar esses casos específicos, julgo que, hoje em dia, qualquer clube que queira abrir a sua sociedade desportiva ao investimento privado, deve ter dois cuidados principais. A credibilidade do investidor e a sustentabilidade do projeto. Se virmos bem, foi sempre por um desses pontos que os investimentos se revelaram desastrosos para os clubes. Parece-me que a nova lei oferece ferramentas para facilitar esse controlo prévio do investimento, sendo que, depois, caberá aos clubes a negociação de um acordo parassocial com o investidor que garanta sucesso desportivo e sustentabilidade.

                                                                     

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