O presente texto é a segunda parte de uma análise do regime legal do Alojamento Local em Portugal, com especial enfoque sobre as recentes decisões do Supremo Tribunal de Justiça acerca da matéria. O texto foi escrito por João Rodrigues, aluno da Escola de Direito da Universidade do Minho e que tem colaborado com a MB Advogados no âmbito de um estágio de verão.

“Nos espaços de antena e comunicação portugueses muito se tem discutido e politizado o tema dos Alojamentos Locais. Isto deve-se, por um lado, pelo crescente peso económico da figura do Alojamento Local na realidade social-económica portuguesa , como preceitua o Relatório Preliminar sobre o Impacto do Alojamento Local em Portugal- desenvolvido pela NOVA SBE a pedido da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP)[1], que face ao ano de 2019 ( último ano pré-pandémico) “(…) o peso do turismo recetor foi de 20, 53 milhões de euros, o que corresponde diretamente a 22% das exportações totais de bens e serviços e a 9,6% do Produto Interno Bruto (PIB).”[2] Por outro, pela necessidade de regulamentar (bem, salvo seja) este regime jurídico , de modo a que o setor hoteleiro possa dar resposta aos níveis de procura tão elevados por esta solução de hospedagem e ,sobretudo, não deixar certas situações à margem da proteção da Lei.

Sucede que na jurisprudência portuguesa este fenómeno crescente tem feito correr muita tinta e debate nos espaços televisivos e não só. Destaca-se no acórdão do Pleno das Secções Cíveis do STJ, de 22 de março[3], a seguinte parte: “no regime da propriedade horizontal, a indicação no título constitutivo de que certa fração se destina a habitação deve ser interpretada no sentido de nela não ser permitida a realização de alojamento local“.

Desta forma, o Supremo Tribunal de Justiça pôs um ponto conclusivo nas divergências de entendimento jurídico sobre a possibilidade de coexistirem, num mesmo prédio, habitação permanente e temporária (para fins turísticos”, já que , com base no Acórdão supramencionado, uniformizou-se a jurisprudência relativamente a esta matéria. A questão a se colocar, deste modo, é a : Quais as consequências a prever desta decisão do Venerando Tribunal do Terreiro do Paço?

Segundo a Declaração de Voto no supracitado Acórdão do Juiz Conselheiro Paulo Rijo Ferreira, admite-se o seguinte: “perspectivando-se uma avalanche de processos dessa natureza e uma disrupção significativa nesse não despiciendo sector da actividade económica.”[4] Desta feita, a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, por conta da sua força persuasiva, aplica- se , em princípio, a todo o Alojamento Local , mesmo ao que foi autorizado no passado.

– Ilações a retirar da decisão

Com a decisão em epígrafe, o Supremo Tribunal de Justiça demarca a sua posição quanto a uma questão em que haja colisão de direitos entre o Alojamento Local e o Condomínio. Outrossim, o Tribunal dará preferência aos Direitos pessoais sobre os Direitos de Crédito, direitos estes de eficácia erga omnes, ou seja, “ criando uma “obrigação universal passiva de abstenção”[5], e uma preferência ao Condomínio.

Como noticia o Jornal Dinheiro Vivo: “Eduardo Miranda lembrou que, para evitar que muitas situações de queixas fossem parar a tribunal, a legislação do alojamento local de 22 de agosto de 2018 criou um mecanismo simplificado no qual o condomínio pode fazer uma oposição: “na prática, um pedido de cancelamento à câmara municipal”.[6]

Logo, poderemos assistir não a um aumento de litigiosidade patente, porém a que se chegue a um entendimento extrajudicial por via da mediação.

Por conseguinte, a Lei 62/2018 passou a admitir a possibilidade de os condomínios pedirem o cancelamento do registo de atividade de alojamento local, até ao máximo de um ano, no caso de comprovada “a pratica reiterada de atos que perturbem a normal atualização do prédio, bem como de atos que causem incomodo ou afetem o descanso dos condóminos”.

– Conclusão

Por variadas vezes e bem, o Supremo Tribunal de Justiça em sede de Colisão de Direitos[7] tem dado preferência aos Direitos Pessoais, como evidencia o Acórdão do STJ, de 27 de abril de 2004,[8] no seu Sumário, Art.4º “4) – A prevalência dos direitos de personalidade sobre os outros direitos, mesmo os absolutos, indiscutível em abstracto, deve contudo ser afirmada pelos tribunais com base na ponderação concreta da situação ajuizada, sopesando devidamente os factos, por forma a que, havendo colisão de direitos, todos eles possam na medida do possível produzir igualmente os seus efeitos.” , sobre os Direitos de Crédito, eficácia inter-partes.

Aliás, até a doutrina de forma consensual atribui aos Direitos Pessoais uma posição de superioridade, pois estes são reconduzíveis à própria dignidade da pessoa humana, sendo esta a base da nossa República , como demonstra o artigo 2º da Constituição da República. Ou, como defende Jorge Reis Novais,”supraconstitucional”.

– Comentário

A nosso ver, tal decisão do Supremo Tribunal de Justiça, tendo por base a legislação atual que está em vias de alteração, a qual iremos abordar, em ulterior momento, decidiu , tal como tem nos vindo a habituar, de forma bastante sensata e prudente, contanto que haja questões ,tal como aponta a Declaração de Voto do Juiz Conselheiro Rijo Ferreira, que merecem a nossa atenção e conscientização.”

[1] Consultável em https://www.dinheirovivo.pt/economia/sem-alojamento-local-pais-perdia-47-mil-milhoes-em-dormidas–16486904.html

[2] Fonte:  https://www.dinheirovivo.pt/economia/sem-alojamento-local-pais-perdia-47-mil-milhoes-em-dormidas–16486904.html

[3]  Fonte: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº4/2022, de 10 de maio. Consultável em Diário da República via: https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justica/4-2022-183230519

[4] Fonte: : Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº4/2022, de 10 de maio. Consultável em Diário da República via: https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justica/4-2022-183230519

[5] Menezes, Cordeiro

[6] Notícia consultável em https://www.dinheirovivo.pt/economia/nacional/al-associacao-desvaloriza-impacto-de-acordao-em-predios-de-habitacao-14788136.html

[7] Conforme art.º 335 do Código Civil, do Livro I- Parte Geral, TÍTULO II- Das relações jurídicas, SUBTÍTULO IV- Do exercício e tutela dos direitos, CAPÍTULO I- Disposições gerais. Consultável via online: http://bdjur.almedina.net/citem.php?field=item_id&value=970764

[8] Fonte: Acórdão do STJ, de 27-04-2004, Processo nº04ª192. Consultável em : http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/6805da552a4a7a0980256fc4002fb29b

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